26 de março de 2023 Por miscminas

O que é a Terapia Comunitária Integrativa

por Marlene Rodrigues Gomes da Silva, Psicóloga e Terapeuta Comunitária | em 01/Dezembro/2018

O termo Terapia, de origem grega, significa cuidar, visando manter saudável ou melhorar uma situação.

O termo Comunitário, constituído de “comum”, no sentido com um, ou seja, relação entre dois ou mais seres, e “ário”, que propõe a ideia de “relação, posse, origem”. Comunitário passa a ser: relação com o comum; é de posse comum e indicando origem. Pode-se inferir, a partir dessa análise, que “comunitária” significa “que tem origem nela própria”, ou seja, a terapia que vem da própria comunidade. A própria comunidade é que interage numa ação comum, onde cada membro participa com sua presença, sua experiência e sua competência em benefício do todo, redundando em benefícios para si mesmo.

A TCI promove um comportamento comunitário, ou seja, a comunidade se reúne para resolver seus problemas, a partir dos recursos próprios.

A TCI é um cuidado exercido com alteridade pelos membros de uma comunidade perante os problemas que nela se apresenta, sob a orientação de uma equipe de Terapeutas Comunitários.

Alteridade significa ter a capacidade de apreender o outro na plenitude da sua dignidade, dos seus direitos e, sobretudo, da sua diferença. Está contido no termo alteridade o fenômeno de que a existência e razão do eu é dependente do outro.

Esse modo de cuidado é resultado da prática do Professor de Medicina Social, da Universidade Federal do Ceará, doutor em Psiquiatria e Antropologia, Adalberto de Paula Barreto.

O que caracteriza a TCI como tal é o protocolo e a forma de atuar daquele que tem autorização para utilizar o protocolo, que é o Terapeuta Comunitário.

E qual é o protocolo da TCI?

O protocolo é constituído de seis partes, quais sejam:

  • acolhimento,
  • levantamento o tema,
  • contextualização,
  • problematização,
  • encerramento,
  • apreciação.

Cada uma dessas partes tem alguns procedimentos específicos, inclusive, tem um tempo determinado para execução.

Parece mais adequado conceber a TCI como um sistema terapêutico, composto por um conjunto de partes conectadas por uma inter-relação, com o propósito de cuidar do ser humano, no sentido de aliviar seu sofrimento. A TCI se materializa num Encontro, conhecido por Roda de TCI. Nesse encontro se interconectam as seguintes partes: o protocolo, os elementos da linguagem que emergem no espaço da Roda de TCI, os pilares teóricos que a sustentam, as orientações epistemológicas e a própria metodologia da formação do Terapeuta Comunitário.

Vale ressaltar que cada participante da Roda de TCI tem um papel ativo na dinâmica do protocolo. O pressuposto é: “cada um é rico naquilo que o outro é pobre”. E, nesse sentido, a proposta é juntar esforços, visando alcançar os resultados que se consideram importantes para o progresso daquela comunidade ou daquele grupo.

O que parece destacar à medida que se toma contato com a prática da TCI é que ela pode ser analisada a partir das Lei dos Três Estados, proposto por Augusto Comte. De acordo com estas Leis, o entendimento humano passou e passa por três estágios, em suas concepções, ou seja, na forma de conceber as suas ideias e a realidade, que são:

  • Teológico: o ser humano explica a realidade por meio de entidades supranaturais (os “deuses”), buscando responder a questões como “de onde viemos?” e “para onde vamos?”; além disso, busca-se o absoluto;
  • Metafísico: é uma espécie de meio-termo entre a teologia e a positividade. No lugar dos deuses há entidades abstratas para explicar a realidade: “o Éter”, “o Povo”, “o Mercado Financeiro”, etc. Continua-se a procurar responder a questões como “de onde viemos?” e “para onde vamos?” e procurando o absoluto. É a busca da razão e destino das coisas, é o meio termo entre teológico e positivo;
  • Positivo: Nesta etapa, não se busca mais o “porquê” das coisas, mas sim o “como”, por meio da descoberta e do estudo das leis naturais, ou seja, relações constantes de sucessão ou de coexistência. A imaginação subordina-se à observação e busca-se apenas pelo observável e concreto, ou seja, que o participante alcance o estágio positivo para um determinado projeto.

Na Roda de TCI, é possível observar que um participante transita nesses três estágios. A proposta é ele tomar contato com o observável e o concreto, fato que evidencia a TCI como uma metodologia coerente com a mentalidade necessária ao profissional do sec. XXI.

Portanto, a TCI é uma metodologia avançada, que na atualidade se constitui numa ferramenta afetiva para os diversos profissionais.

E, qual o propósito da TCI?

O propósito da TCI é cuidar, visando a emergência de novos padrões de comportamentos, que distinguem a matéria bruta da matéria sutil e do imaterial e, também, ensinar a pensar.

Segundo Adalberto Barreto, essa proposta terapêutica busca intervir no sentido de criar condições para transformar um grupo impessoal em uma comunidade dinâmica, solidária, que legitima sua história e reconhece os valores de sua cultura.

Nesse sentido, o objeto da TCI é a comunidade, constituída por seus membros, onde cada ser humano histórico e social, reconhece que tem corpo, mente e espírito.

E, qual o propósito do Terapeuta Comunitário?

O Terapeuta Comunitário, no exercício de sua função, tem como propósito tornar efetivo o propósito da TCI, que incentiva a partilha de experiências, numa ação colaborativa, criando um espaço de palavra, de escuta e de vínculo, possibilitando cada participante tornar-se protagonista da própria história.

E como o Terapeuta Comunitário se prepara para obter esses resultados?

Através do Curso de Formação em TCI, cuja metodologia vem:

  • Possibilitando aos participantes perceberem que a historia de vida deles tem um valor maior do que, muitas vezes, possam imaginar;
  • Oferecendo aos profissionais, líderes comunitários e religiosos a experiência de vivenciarem um método que traz benefícios para si e demais pessoas da convivência;
  • Promovendo o crescimento pessoal e coletivo, ou seja, o curso de TCI possibilita aos participantes a conhecerem as habilidades para desenvolver a Resiliência;
  • Favorecendo o fortalecimento dos vínculos e a co-responsabilidade nas ações coletivas;
  • Mobilizando recursos na obtenção de resultados, integrando os saberes e reduzindo estresse;
  • Ampliando a percepção dos problemas e das possibilidades de resolução dos mesmos, a partir das competências locais; convidando todos a serem co-responsáveis na busca de soluções e superação dos desafios;
  • Compreendendo que a dor do corpo é uma forma de falar daquilo que não foi dito. O Terapeuta Comunitário aprende como criar um espaço de fala para evitar que surja a doença.

Observando o que o Dr. Adalberto ensina, percebe-se que ele inclui no conteúdo de seu ensino, o antídoto que combate muitos dos impasses da convivência:

  • Para evitar fofoca, ele enfatiza: “quando o José fala de Maria, José está falando muito mais de si mesmo, pois quando se emite um juízo, é porque quem emitiu o juízo, conhece por experiência própria os predicados que ele atribui ao outro”.
  • Para diminuir as disputas de poder e os conflitos ele destaca: “cada um é rico naquilo que o outro é pobre”, ou seja, pode-se ser bom em determinado assunto, porém jamais um individuo sabe sobre tudo. Aquela pessoa que tem 40, 50 ou 60 anos, sobreviveu a muitos desafios e se ela está viva é por que encontrou recursos para vencê-los. Naquela área ela é especialista.
  • Para ajudar a sair do lugar de vítima, Adalberto Barreto pergunta: “qual é a sua dor? O que você faz da sua dor, do seu sofrimento? Continua sofrendo ou já aprendeu a si perguntar: o que essa dor está tentando me dizer que eu ainda não compreendi? O que você tem feito com as “merdas” que a vida tem colocado diante de você? Já observou que as plantas crescem e se tornam mais viçosas quanto mais “merda e estrume” você coloca na raiz pé delas?
  • Através da TCI você pode aprender a transformar os desafios que surgem no cotidiano, em adubo para, assim, se tornar mais forte do que os problemas.
  • “Ficar com raiva é como tomar o veneno e esperar que o inimigo morra”. É uma atitude, no mínimo, inteligente, acolher e legitimar a própria raiva, como parte da natureza humana, e buscar refletir qual foi o significado que minha mente deu para o fato que provocou essa emoção?
  • Meu primeiro mestre é minha criança. Minha primeira escola é minha família.

Por último, vamos relacionar três aspectos que o Dr. Adalberto tem destacado como primorosos para o Terapeuta:

  1. Quebra do paradigma pedagógico geral que traz implícito, como verdade, que o que se aprende é para aplicar nos OUTROS. O Terapeuta Comunitário é convocado a ser o primeiro beneficiário da arte de cuidar – o curso propõe a Teoria como prática vivenciada.
  2. Estar atento aos processos de ressonância na TCI:
    • Feridas (Carências de comida, de cuidados etc.)
    • Competências / Pérolas (Sensível à dor dos “esquecidos”)

O Terapeuta foca nas emoções (como ressoou nos demais?), só que explorando o raciocínio. Faz-se um apelo ao neocórtex, à razão, levando à reflexão (o que cada um já fez ou não). Barreto afirma, na historia da TCI não se tem registro de “surto”.

As doenças do corpo se curam com remédios, indo ao especialista. O sofrimento humano (as “doenças” da relação) é causado pelo esquecimento (da comida, da reciprocidade, do repouso, do abandono, etc), e tem uma perspectiva diferente da doença. Então o TRATAMENTO É LEMBRAR. Cuidar dos esquecimentos de quem teve sua inquietação escolhida, na Roda de TCI, mas, também o grupo está revisitando cada um/a as suas histórias: O Terapeuta Comunitário é o despertador de lembranças!

A solução vem quando reflete: O que fazer diferente para não repetir a “história”?

  1. A herança pessoal: o participante é convidado a ter um momento para si, para ir em busca da “sua criança” e agradecê-la. O adulto de hoje conversa com a criança de ontem e a acalma, ou seja, o cérebro racional, conversa com os dois cérebros arcaicos – sistema límbico e sistema reptiliano.

REFERENCIAS

BARRETO, Adalberto P. Terapia Comunitária passo a passo. 3. ed. Fortaleza: LCR, 2008.

GRANDESSO, Marilene A. Sobre a reconstrução do significado: uma análise epistemológica e hermenêutica da prática clínica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.

SILVA, Marlene R. G. A metáfora na linguagem da Terapia Comunitária: estudo de caso com pais de alunos do 1o Ciclo de uma Escola Municipal de Ipatinga/MG. Centro Universitário de Caratinga – UNEC: Mestrado Acadêmico em Educação e Linguagem, 2010.